quinta-feira, 15 de maio de 2014

Entre 1999 e 2000, estagiei na editoria de cultura do Jornal de Brasília. Aliás, foram os melhores tempos daquela editoria. A equipe era muito boa e tinha "química". Como editor, Severino Francisco. Como sub, Gioconda Caputo. E entre os colegas, Marcelo Araújo, Joseana Paganine, Carmem Moretzsohn, Luciana Mariz, Letícia Verdi, Marcelo Beluco, Grace Perpétuo, Marisa de Macedo-Soares, Aedê Cadaxa, Renata Caldas e, mais tarde, Erika Klingl. Éramos a "turma do fundão", ríamos muito e recebíamos, pelo menos uma vez por semana, a visita de Cassiano Nunes, que nos levava deliciosos bolos de padaria e nos fazia rir ainda mais com suas histórias sempre inciadas com um "Conheciiii... Fulano de Tal" (acabou se tornando um bordão entre nós).

Eu e Renata éramos as duas estagiárias da editoria (até a chegada da Erika), mas nunca fomos tratadas com complacência por causa disso. Era preciso saber apurar, escrever e ponto. Recebíamos pautas importantes. Exemplo disto foi quando me puseram para entrevistar ninguém mais, ninguém menos que Hilda Hilst – uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. Também conversei com Zélia Gattai, com o poeta Waly Salomão (um grosso, por sinal) e com o cineasta João Moreira Salles. Fui enviada ao Rio para uma coletiva com Nana Caymmi e a São Paulo para cobrir a gravação do show acústico do Capital Inicial, pela MTV. Ou seja...

O irônico foi que, apesar de todo nosso trabalho, Renata e eu recebemos MM pelo nosso Relatório de Estágio Supervisionado, apresentado ao UniCEUB. Mesmo mostrando todas as nossas matérias (naquela época, podiam ser assinadas). A conservadora professora que nos avaliou se ateve aos aspectos formais do documento (número de páginas, encadernação etc.) para justificar o injustificável.

Quando contamos sobre a nota a Severino, ele se emputeceu de tal forma que resolveu escrever um artigo, o qual guardo até hoje, intitulado "O outro lado da rata". Nele, nosso querido editor questionava os critérios de avaliação da referida instituição de ensino e dava como exemplo uma situação bastante bizarra ocorrida no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, meses antes.

O Festival prestava homenagem a Glauber Rocha – uma referência para quem cobre cultura. Pois bem. Lá pelas tantas, uma repórter – formada – se aproximou da mãe do cineasta e tascou a pergunta, sem hesitar: A senhora sabe me dizer que horas o Glauber vai chegar?

O fato serviu para Severino mostrar que nós, apesar de estagiárias e de termos apresentado relatórios com menos páginas que o exigido, JAMAIS faríamos uma pergunta estúpida dessas, sobre um artista morto na década de 80. O artigo não fez nossa nota aumentar, mas mostrou os absurdos que podem ocorrer no meio acadêmico.

Faço este preâmbulo porque, recentemente, vivi uma situação do mesmo naipe.

Onde trabalho, há duas estagiárias que estudam no Icesp, no Guará. Conversando com uma delas, perguntei quem coordena o curso de jornalismo. E é alguém que conheço de nome; se não me engano, foi até da UnB. Então, pedi a ela que encaminhasse meu currículo ao professor, pois dar aulas de texto sempre foi vontade minha.

Dias depois, ela veio me contar que entregou meu CV ao sujeito. Ele olhou e, de cara, me descartou: só aceitam gente com mestrado ou doutorado.

Até aí, tudo bem. É compreensível que uma instituição de ensino superior busque docentes cada vez mais preparados. Não é isso que pretendo questionar. O buraco (deste texto) é mais embaixo.

Ocorre que as duas estagiárias que trabalham comigo simplesmente não têm ideia de como funciona o jornalismo. Não sabem escrever, não sabem atender demandas de imprensa, não têm o hábito da leitura, não consultam dicionário e, pior de tudo, desconhecem regras básicas de português. Dias atrás, li um "corrijida" (isso mesmo, com J) e um "gravidez de auto-risco" (pasmem: com u). Sem falar nos erros de pontuação e no uso de verbos declaratórios, na falta de concisão e de feeling, na dificuldade de encontrar o lide.

Tudo isso seria até perdoável, se fossem calouras. Mas não! Estão no PENÚLTIMO semestre. Penúltimo semestre significa que, em dezembro próximo, ambas serão profissionais formadas e – em tese – estarão aptas a trabalhar na Folha de S.Paulo ou na GloboNews. Ou em assessorias do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Ou, ainda, em agências de comunicação, como FSB, CDN, Máquina. Mas, repito, em tese.

O que eu gostaria de saber do distinto coordenador de jornalismo do Icesp é: o senhor realmente acha que está formando bons jornalistas? E o fato de só aceitar mestres e doutores tem melhorado a qualidade dos alunos formados?

Eu não tenho mestrado e nem sinto vontade de me tornar mestre. Mas sou formada há quase 14 anos, fiz uma pós em Comunicação Organizacional, trabalhei em diversos lugares bacanas, lancei três livros, estou finalizando o quarto, tenho um blog de cultura, morei no exterior, tive colunas de crônicas em dois jornais, editei publicações variadas, escrevi um guia de relacionamento com a imprensa para o Tribunal Superior Eleitoral, participei do processo preparatório de uma conferência da ONU e, outro dia, uma colega chamou meu texto de "primoroso". Ainda assim, não sou suficientemente qualificada para lecionar redação jornalística.

Enfim.

Não vou ficar tecendo autoelogios, porque é uma atitude pedante. Apenas gostaria de entender: de que adianta um corpo docente de mestres e doutores, se os futuros jornalistas sequer sabem escrever uma simples matéria? Por que não olhar para a experiência profissional de quem quer lecionar, em vez de priorizar um diploma? Posso estar errada, mas em cursos técnicos & práticos como o de jornalismo, penso que experiência vale mais que qualquer título.

É ou não é?


(Dedico este artigo a todos os jornalistas que me ensinaram muito, mas muito mais que qualquer professor que tive no UniCEUB: Severino Francisco, Gioconda Caputo, Ricardo Pedreira, Hélio Doyle, Paulo Fona, Luiz Cláudio Cunha, Cláudio Lysias, José Carlos Vieira, Silvana de Freitas, Ugo Braga, Rudolfo Lago.)