O Poema e a Andorinha
[Uma Fábula]
Era uma vez um Poema que vivia na mais alta torre de um castelo em terras longínquas. Como poema de rima rica, sempre dispensou obviedades; sempre buscou da vida ser verso profundo. Por isso, preferia a quietude e a solidão.
Em seu largo aposento, passava horas em um estado contemplativo, deleitando-se na leitura de textos clássicos, refletindo sobre a verdade, o belo, o bom. Pensando sobre o pensamento.
Às vezes, e só às vezes, ia até a janela para sentir no rosto os carinhos de sua única amiga, a Brisa – sopro suave de vento que o revigorava e lembrava de ainda estar vivo. E que podia, além de pensar, sentir. Com ela, mantinha longas conversas. Gostava de sua companhia – era delicada, meiga, mas dona de sagacidade ímpar.
Um dia, porém, uma visitante inesperada invadiu sua alcova. Uma Andorinha desgarrada, perdida de seu bando a fugir do frio.
Entrou janela adentro e, agitada, esbarrou em tudo que ali havia. Derrubou castiçais, livros, anotações. Taças de vinho espatifaram no chão.
O Poema se assustou, claro. Deitado em sua cama de dossel, através do fino tecido, observou o desespero do animal.
Foram necessários alguns minutos para que o bicho, exausto, pousasse na beirada da escrivaninha. Então, o Poema saiu sorrateiro de seu "esconderijo" e, de um pulo, agarrou o pássaro!
Com a Andorinha em suas mãos, lembrou-se de uma história que ouvira na infância, quando nem um poema era, não passava de um rabisco: a do jovem que quis enganar o sábio ancião de um certo reino.
Segundo a história, esse sábio era o mais sábio de todos os homens que viviam na Terra – nenhuma questão que lhe fosse apresentada ficava sem solução. Ele sabia tudo.
Nesse mesmo reino, vivia um rapaz que não se conformava com tamanha sabedoria; não aceitava o fato de o sábio conseguir decifrar qualquer enigma. Por muito tempo, arquitetou uma forma de pregar uma peça no ancião.
Certo dia, acreditou ter descoberto uma maneira. "Colocarei em minhas mãos, levemente fechadas, um pequeno pássaro vivo e perguntarei ao sábio se está vivo ou morto. Se ele responder que está morto, abrirei as mãos e o libertarei ao voo; se disser que está vivo, o apertarei com os dedos e o matarei. O sábio nunca poderá acertar."
Assim o fez. Expôs o pequeno animal e perguntou se estava vivo ou morto. O sábio olhou bem nos olhos do jovem e respondeu: "Isso depende apenas de você, meu filho". O rapaz, atônito e humilhado, foi embora e nunca mais tentou testar os limites de sua sabedoria.
Agora, era o Poema quem segurava um trêmulo passarinho. Podia decidir sobre sua vida ou sua morte. O destino da Andorinha lhe pertencia – e como era estranha a sensação de ter poderes sobre a sorte de uma criatura!
Correu para a janela, chamando pela Brisa. Contou-lhe da invasão, da história lendária e, por fim, da incômoda sensação de poder decidir o destino da ave – não que tivesse dúvidas: soltaria o pássaro, mas precisava compartilhar a torrente de pensamentos & sensações gerada pelo acontecimento.
Atendendo ao chamado, a Brisa soprou-lhe: "A todo instante, o destino é posto em nossas mãos; cabe a nós decidir o que fazer com ele. Na vida, quase nunca é possível escolher as situações pelas quais passamos. O contingente é uma constante – e uma constante inevitável. No entanto, é sempre possível escolher como viver tais situações. É aí que reside a liberdade, a única que podemos, de fato, exercer. É como se o sábio a quem o rapaz quis enganar estivesse nos dizendo a todo instante: Isso depende apenas de você, meu filho".
M. Gramacho