A minha cara no espelho.
Examino meu rosto invertido, de frente para mim. Esses olhos de cores diferentes, um mais claro que o outro. Quase não se nota, só quem é atento a detalhes. A diferença fica mais nítida no pôr do sol, vai entender...
O nariz meio bonito, meio feio. De frente, um tanto grosseiro; de perfil, empinado. Tudo em meu rosto remete à oposição. Não há simetria, correspondência exata.
As sobrancelhas grossas e arqueadas são bonitas, gosto delas.
Estudo minha boca; o que mais gosto em meu rosto. Lábios bem contornados, nem finos nem grossos: na medida.
Esboço um sorriso. Os dentes. Também gosto deles, mas é fato que preciso usar aparelho na arcada inferior. Talvez ninguém note, mas eu vejo muita coisa fora de ordem ali.
Observo as orelhas. São pequenas, delicadas. Mas são feias. Não, não há nada de errado com elas, só são feias como todas as orelhas do mundo são.
O queixo, por sua vez – e ao contrário das orelhas –, é bem marcado, quadrado, masculino.
Toco minhas bochechas. Sinto a textura da pele, que insiste numa adolescência tardia. "Pele oleosa dá menos ruga", lembro de ter ouvido alguém dizer. Menos mal.
Rugas. Reparo no canto dos olhos e sorrio novamente. Sim, algumas já estão ali. Pés de galinha, crow's feet. Não me incomodam. Pelo menos, não tanto quanto a cicatriz debaixo do olho esquerdo. Mas dela não gosto de falar. Entramos num acordo, eu e a cicatriz: a carrego no rosto, mas nunca conversamos.
A minha cara no espelho e a pergunta: o que vejo refletido é o mesmo que você vê?!